Bob Nolet, master distiller e herdeiro da vodka premium Ketel One, fala sobre a história e os objetivos da marca em entrevista exclusiva

Há mais de 300 anos, é tradição dos Nolet produzir vodka na destilaria fundada por Joannes Nolet que leva o nome da família na cidade de Schiedam, a 70 km de Amsterdã, na Holanda. O amor por produzir uma vodka de sabor e qualidade excepcionais passou de geração a geração até que a Ketel One foi concebida em 1984, após Carolus, o pai do nosso entrevistado, Bob Nolet, fazer uma extensa pesquisa de campo e experimentações com bartenders e apreciadores da bebida.

O processo de produção da Ketel One combina técnicas tradicionais e modernas de destilação. A base do mosto é o trigo que, após a fermentação, é destilado em colunas fracionadas. Parte desse líquido é então redestilado em centenários alambiques de cobre para criar o chamado Master Pot Still Batch. Esse líquido é utilizado para proporcionar uma bebida suave e sedosa com aromas cítricos e notas de mel. Em boca, Ketel One é uma vodka suave, com textura sedosa que envolve todo o palato, o final é longo com sabores sutis e refrescantes.

A preocupação da família em manter a receita inalterada com o mesmo padrão de qualidade é tamanha que até hoje nenhum lote da Ketel One deixa a destilaria sem antes ser provado por um membro da família. Não à toa, ela é referência em alta coquetelaria, sendo nove vezes eleita a vodka preferida dos bartenders, segundo a Drinks International, uma das revistas de bebidas mais respeitadas do mundo.

Bob Nolet, da 11ª geração da família, está à frente da destilaria junto com o pai e o irmão Carl e nos recebeu para uma entrevista exclusiva no Must Bar do Hotel Tivoli Mofarrej São Paulo durante a final no Brasil do World Class, o maior campeonato de bartenders do mundo.

Como começou a paixão da família por fazer vodka em uma época em que isso não era um grande negócio?
Temos muito orgulho da nossa história. Ela começa em 1691 com uma pequena destilaria familiar. Durante anos, ela foi passando de pai para filho e cada descendente tinha a missão de produzir um destilado de qualidade superior. Foi assim que nos mantivemos vivos. Ao longo dos anos, fomos aperfeiçoando um pouquinho a receita uma vez que no passado as pessoas estavam acostumadas com bebidas um pouco mais grosseiras. Até que em 1984 meu pai e meu tio resolveram fazer uma vodka ainda melhor. A ideia surgiu de uma viagem a São Francisco, nos EUA, quando eles entraram em contato com o Martini, que era um drink que estava na moda naquela época. Eles ficaram empolgados e imediatamente quando retornaram para Europa eles pesquisaram bastante, conversaram com bartenders e especialistas em coquetelaria para aperfeiçoar ainda mais a vodka que fazíamos. A ideia era fazer um destilado de altíssima qualidade que pudesse ser apreciado tanto puro quanto em coquetéis. Tanto é que o processo de destilação e a receita continuam inalterados até os dias de hoje.

Tem uma curiosidade sobre a escolha do nome, não?
Sim. Escolhemos o nome Ketel (caldeira em português) para denominar nossa vodka porque ressuscitamos um antigo equipamento de destilação à carvão, que se chamava Ketel One, para recuperar a antiga alma da vodka. Daí veio a inspiração para o nome. E a garrafa foi pensada para ser uma assinatura da marca. Se você reparar no nosso rótulo, ele leva a assinatura do mestre destilador da família atestando a qualidade daquele produto. Isto é mantido até os dias de hoje. Tudo isso foi criado pela geração do meu pai. Atualmente, eu e meu irmão estamos à frente do negócio. Somos a décima primeira geração da família Nolet. Hoje em dia a Ketel One é, digamos, apenas um pouco mais leve, mas a receita continua absolutamente a mesma. Foram só pequenos ajustes nesses mais de 300 anos de história. A produção hoje envolve mais técnica e tecnologia para garantir a qualidade.

A garrafa também experimentou uma evolução?
Exatamente. No começo ela tinha um pescoço pequeno, mas ouvimos os bartenders e desenvolvemos uma garrafa com um pescoço mais alongado no qual eles podem manuseá-la para fazer os coquetéis com mais facilidade.

E quando a Ketel começou a se tornar um sucesso mundial?
Aconteceu no começo dos anos 1990. Decidimos entrar no mercado americano via São Francisco, que é um local onde a coquetelaria é muito forte. Meu irmão se mudou para os Estados Unidos e começou a fazer um processo cultural, explicando para o mercado o tipo de vodka que fazíamos e a qualidade que ela tinha. Eu também fiz o mesmo na Europa. Assim fomos entrando nos bares de alta coquetelaria. Hoje em dia a Diageo se tornou um parceiro comercial, levando nossa vodka a praticamente todos os países do mundo. É claro que temos uma presença mais forte aonde a vodka e a coquetelaria são mais apreciadas. Nos 10 melhores bares do mundo nós somos a vodka da casa. Atualmente, a vodka está experimentando um aumento de demanda e chegando a mais pessoas e isso é bom porque eleva o nível das bebidas oferecidas pelo mercado.

Aqui no Brasil e em muitos outros países o gin tem dominado a cena. Isso incomoda?
Eu não vejo isso como um problema. As pessoas estão bebendo mais coquetéis no mundo e há espaço para todos os destilados crescerem. Muitos coquetéis clássicos usam a vodka e vários que estão na moda ou que viraram tendência usam vodka como base. É o caso do Moscow Mule e do Expresso Martini. Aqui no Brasil é impressionante o sucesso do Moscow Mule.

Você conhece o Marcelo Serrano que inventou a espuma de gengibre para a versão brasileira do Moscow Mule?
Sim eu conheço! Nós já fizemos muitos trabalhos juntos. A espuma de gengibre é uma ideia genial tanto é que estamos promovendo essa variação do drink para diversos outros mercados que não a conhecem. O Marcelo está ficando famoso no mundo todo!

E a caneca de cobre também dá um charme especial ao drink…
Sem dúvida! Acho que a combinação dos ingredientes do drink, com a vodka Ketel e com a espuma e a canequinha de cobre são responsáveis pelo sucesso do drink no Brasil e em outros mercados que adotaram a ideia.

O Brasil está experimentando nos últimos anos um aumento significativo de bares dedicados a alta coquetelaria. Vocês detectaram isso no seu radar?
Sim. Muitos bartenders brasileiros estão fazendo estágio ou trabalhando em outros mercados, como na Holanda, na Inglaterra, na Itália, nos Estados Unidos… e depois retornam ao Brasil com um conhecimento fantástico e aplicando no seu trabalho, principalmente em bares de coquetelaria em São Paulo. E temos orgulho de sermos a vodka preferida deles.

No caso do dry martini, principalmente, se o bartender muda a vodka muda o sabor do coquetel!
Exatamente. Por isso a vodka Ketel é muito usada para esse drink porque ela desperta uma sensação diferente, mais elegante, mais saborosa e aromática. Acho que essa foi a intenção dos meus antepassados, em criar uma bebida que fosse extremamente agradável e entregasse uma experiência tanto para ser apreciada pura como em coquetéis.

A Ketel já nasceu para o segmento premium?
Sabemos que a Ketel não é uma vodka barata e está posicionada no segmento premium, mas ela não é inacessível. As pessoas que desejam fazer um drink com mais qualidade podem muito bem consumi-la e os bartenders que desejam impressionar seus clientes com drinks acima da média também. É uma questão de escolher usar os melhores ingredientes. Nós temos uma destilaria própria e fazemos o mesmo produto do mesmo jeito há anos. Não terceirizamos a produção e toda nossa vodka é produzida em uma única destilaria, assim a gente pode garantir o padrão e a qualidade sempre. A nossa vodka realmente prima pela qualidade. Existem vodkas consideradas premium que não necessariamente tem a mesma qualidade. Elas investem muito em marketing e pouco na qualidade. Nós oferecemos um produto de muita qualidade por um preço compatível com que entregamos. As pessoas hoje em dia estão mais propícias a pagar por qualidade. Seguir aquela máxima do beba menos e beba melhor.

Está acontecendo no Brasil um fenômeno de “premiumnização”, ou seja, as marcas têm apostado no segmento premium. As bebidas estão ficando mais elaboradas e as pessoas acabam exigindo esse tipo de produto. No caso dos destilados, como whisky e vodka, isso é muito fácil de verificar.
Hoje em dia com as mídias sociais as pessoas têm muito mais acesso à informação, aos lançamentos, às receitas de drinks e depoimentos de bartenders. Você mesmo tem um ótimo site de informações sobre bebidas. A informação está toda disponível e para quem busca qualidade é fácil descobrir o que é melhor. Por isso acho que a Ketel deve conquistar cada vez mais espaço.

Por falar em informação, é possível visitar a fábrica na Holanda?
A destilaria fica bem próximo de Amsterdam. Estamos pensando num projeto de visitação à fábrica para profissionais do meio porque é muito importante que eles vejam na prática o cuidado com o que a gente produz a nossa vodka. Em breve talvez a gente convide você também! Outro projeto que estamos envolvidos é na formação de bartenders de comunidades mais carentes. Inclusive, no Brasil estamos fazendo uma parceria com o Marcelo Serrano que tem um projeto profissionalizante muito legal numa favela de São Paulo. É uma maneira de ajudar não só o setor de bares, mas também a pessoas sem muita perspectiva de futuro a conquistar uma profissão e poder trabalhar no segmento.

Eu queria saber melhor como funciona na prática a parceria com a Diageo?
Nossa parceria tem mais de 15 anos. Funciona muito bem. Nós produzimos a vodka e eles a distribuem no mundo inteiro. A conta é simples. Tirados os custos de produção e distribuição o lucro é dividido em 50% para cada um. É perfeito. Somos uma marca forte, mas com uma escala muito pequena e a Diageo tem uma atuação mundial. Ela pode colocar o nosso produto em todos os seus canais de venda ao redor do mundo. A Diageo não tem sociedade na destilaria, somente no negócio.

Aqui no Brasil a Diageo tem uma forte atuação. Vocês estão trabalhando para aumentar a presença da Ketel no mercado nacional?
Certamente. Estamos muito felizes com sucesso do Moscow Mule aqui no Brasil. Eu gostei da ideia de promover esse drink associado ao nosso produto. Mas não há nada definido que poderia adiantar. Porém, temos certeza de que a nossa presença no mercado brasileiro tende a aumentar. Quem experimenta e comprova não volta atrás. Os brasileiros vão se apaixonar pela Ketel One.