Conheça o que pensa o inglês Desmond Payne, master distiller da Beefeater, considerado a maior autoridade em gin do mundo, que nos concedeu essa entrevista exclusiva

O master distiller inglês Desmond Payne é considerado a maior autoridade em gin do mundo. Com 53 anos de experiência destilando gins, ele começou na indústria de bebidas nos anos 1960, ironicamente em uma fábrica de vinho que, por coincidência, também possuía uma destilaria de gin. Ele se apaixonou pela bebida e pelo processo de fabricá-la como master distiller, escolhendo e combinando os botânicos e participando de todas as etapas de produção.

Trabalhou na icônica Plymouth, a destilaria mais antiga de gin inglês em atividade, por 25 anos, com a responsabilidade de reproduzir fielmente sua receita centenária. Em 1995, foi convidado e aceitou o desafio de mudar de casa e assumir o controle da produção do Beefeater London Dry, um dos gins mais clássicos do mundo, reconhecido pelo seu alto padrão de qualidade.

A missão de Desmond é manter exatamente este padrão sem mudar um milímetro. Talvez por isso, só no início dos anos 2000 a marca lhe deu sinal verde para o desenvolvimento de novas receitas de gin. A primeira foi o Beefeater 24, lançada em 2008, após 18 meses de escolha dos 12 botânicos ideais para a fórmula e testes.

Para Desmond, gin é antes de tudo uma responsabilidade. Eu o encontrei pela primeira vez em 2017, quando ele veio a São Paulo para julgar a etapa brasileira do concurso de bartender Beefeater MIXLDN7. Pouco antes da festa de encerramento, conversamos por mais de 40 minutos. Um privilégio! Aquele papo abriu meus horizontes sobre gin, porque cada opinião e cada visão vem de uma pessoa que praticamente faz parte da história desta bebida. Um “mestre destilador” na mais perfeita definição da profissão.

Por isso, foi uma honra para nós quando ele aceitou conceder essa entrevista exclusiva para o Portal Mesa de Bar diretamente de Londres que tenho o enorme prazer de divulgá-la na íntegra para vocês.

Você entrou para o universo do gin meio por acaso… Como foi essa história?
Eu tinha a intenção de fazer carreira no comércio de vinhos, mas, quando saí da Harrods, em Londres, entrei para uma empresa que, além de negociar vinhos, tinha uma destilaria de gin. Eu trabalhei lá como parte do meu treinamento e é daí que vem meu interesse em gin.

Os londrinos sempre beberam gin?
O gin tem sido uma bebida popular em Londres desde a “Gin Craze”, quando a população da cidade entrou na “loucura do gin” no início do século XVIII. Hoje vemos outro aumento na popularidade do gin.

Como foi mudar de uma empresa tradicional como a Plymouth para outra como a Beefeater? E com a responsabilidade de não tocar na receita!!
A principal mudança foi a da escala. As duas receitas são diferentes, é claro, e Beefeater usa o processo adicional de maturação dos botânicos 24 horas antes da destilação. Mas os princípios básicos da destilação – equilíbrio de sabor, atenção aos detalhes e cuidados na seleção dos melhores botânicos – permanecem os mesmos. Tive a sorte de manter a responsabilidade pela produção de gin Plymouth por mais dezoito meses depois de me transferir para Beefeater.

Você disse que o Beefeater 24 foi o primeiro gin que você criou, depois de anos fazendo a mesma receita. Como foi sair da zona de conforto e escolher quais seriam os ingredientes da novidade? Você fez outros depois?
Fazer um novo gin foi uma perspectiva incrivelmente excitante. Também foi um desafio chegar a algo digno do nome Beefeater. Eu respeitei meu tempo e aos poucos fiz uma receita que me deixou feliz. Houve muita tentativa e erro nos primeiros dias! Desde Beefeater 24, eu desenvolvi meia dúzia de novos London Gins, alguns como edições limitadas e, ultimamente, a enorme demanda por gins saborizados está me mantendo ocupado.

Por favor, explique como é o seu trabalho?
Agora, estou trabalhando em casa como tantas pessoas. Meu tempo é em grande parte tomado por reuniões virtuais e degustações. Geralmente, nenhum dia é igual ao outro. Ao longo do ano estive envolvido em fornecer a qualidade certa dos botânicos para nossos gins e, cada vez mais, trabalhando com a equipe de marketing no extremamente importante mundo da inovação. Esta variedade do trabalho é que me deixa animado.

Em uma produção gigantesca, quais são os maiores desafios, pois você lida com plantas e insumos que podem mudar de um lote ou de uma safra para outra?
A responsabilidade Nº 1 do trabalho é manter a qualidade de Beefeater. Estamos muito orgulhosos de dizer que somos o gin mais premiado do mundo. O que apresenta o maior desafio é o fornecimento de botânicos. Se eu tomar o zimbro como exemplo, avaliamos até duzentas amostras da safra de cada ano para selecionarmos não apenas o melhor, mas aqueles que exibem o verdadeiro caráter de Beefeater. Só podemos escolher três ou quatro para misturarmos para conseguir isso.

Beefeater é uma potência mundial. Isso te assusta?
Não! Não me permito pensar dessa forma. Acho que após quase 55 anos atuando no negócio de gin, isso ajuda a me dar confiança, mas eu não posso baixar a guarda.

Ao contrário do que as pessoas imaginam, a fábrica de Beefeater é altamente automatizada e poucos funcionários trabalham na produção. Isso lhe dá mais controle sobre o resultado final?
Não somos automatizados na maneira como destilamos Beefeater. Todas as decisões importantes são tomadas por pessoas treinadas e dedicadas. É verdade que a equipe da destilaria só soma seis pessoas, mas o gin é feito à mão. Os botânicos são pesados à mão todas as manhãs, a qualidade do gin é medida pelo nariz e paladar das pessoas, discutimos e comparamos pensamentos e ideias – é isso que dá controle sobre o resultado final.

Voltando à nossa conversa no Brasil, naquela época, em 2017, o gin estava enfrentando uma explosão de consumo. E ao contrário das previsões dos profissionais de marketing, essa “onda” continua até hoje. Nunca bebemos tanto gin como nos últimos anos no Brasil e em mercados emergentes como o nosso. O gin vai continuar a encantar?
A onda de gin continua a rolar. Certamente, temos vistos ótimos resultados no Brasil e mercados que tradicionalmente não eram bebedores de gin. A situação global atual certamente desacelerou a taxa de crescimento em muitos mercados, mas isso não é específico para o gin. Na Beefeater temos um programa de inovação emocionante que vai excitar os bebedores de gin por muitos anos.

Grande parte do sucesso do gin está associada à explosão da coquetelaria. Bartender se tornou uma profissão de prestígio e muitos têm mais fama do que chefs de cozinha. Como você vê esse fenômeno?
Minha opinião é que essa geração de bartenders é a melhor que já existiu. Gin é uma bebida projetada para trabalhar com outros sabores. É por isso que os bartenders adoram usá-lo em coquetéis. Eles merecem nosso respeito. Para mim, o cara que me prepara um coquetel antes do jantar é tão importante quanto o chef que o cozinha.

A propósito, na sua opinião, quais são as bebidas em que o gin se encaixa perfeitamente, entregando a mensagem que você gostaria de passar?
Gin trabalha com quase tudo. Os cítricos são companheiros óbvios, mas ao ter certeza de que os sabores estão em equilíbrio, tudo vale. Minha mensagem é: “faça o simples” e deixe o gin ser o herói. Não enfeite demais a bebida. Se eu quiser uma salada de frutas eu vou solicitar para o chef!

Como juiz, você já esteve em muitos países e provou centenas de gins e variações de receitas. É possível lembrar de alguns rótulos que te impressionaram, positiva e negativamente, e por quê?
Estou sempre animado para provar novos gin. Eu não vou citar marcas, mas o que eu procuro é clareza de sabor, evidência de zimbro e a capacidade de dar o próximo passo e trabalhar em um coquetel. Eu não gosto de ver o uso de ingredientes que estão lá só porque eles soam bem ou são raros ou caros. Isso não é suficiente bom. Tem que funcionar. Dê aos bartenders algo que os inspire a serem criativos.

A propósito, você teve a oportunidade de experimentar alguns gins brasileiros. O que achou deles?
Já experimentei alguns gins brasileiros. Os mesmos princípios se aplicam, mas estou sempre interessado em ver o uso de botânicos locais. Como em todos os países que destilam gin, alguns são mais bem sucedidos do que outros.

A explosão do consumo de gin no Brasil incentivou os empreendedores nacionais a lançar rótulos de gin no mercado. Há mais de 120 rótulos oficiais e muitos outros não oficiais. Isso é bom ou apenas uma produção oportunista?
Depende por que eles estão fazendo gin. Se é só porque parece uma boa onda para surfar para um lucro rápido, então isso é uma pena. Se há um verdadeiro entendimento e respeito pela categoria, então, boa sorte! De todos os destilados, o gin é o que mais consegue se adaptar às mudanças de moda – desde que você se atenha aos princípios básicos.

Por outro lado, o consumidor brasileiro que já experimentou muitas variações pode querer buscar algo diferente. Isso explica o interesse pelos gins saborizados?
Gins saborizados são uma parte excitante da evolução do gin.

Há também um mercado crescente de bebidas prontas, como o gin tônica enlatado. Como você vê esse nicho de mercado?
O ready-to-drink é uma oportunidade emocionante para o gin, pois abre novas ocasiões para as pessoas desfrutarem de gin com amigos e familiares, além de em casa ou em um bar.

A pandemia fez as pessoas ficarem em casa e aqui no Brasil muita gente se tornou “bartender caseiro” e o gin teve um aumento considerável no consumo. Ele destituiu a vodka e rivalizou com a cachaça das nossas caipirinhas. Como você vê esse cenário?
Durante a pandemia, vimos um aumento de pessoas criando coquetéis em casa que costumavam desfrutar nos bares. Para fazer isso com sucesso, os consumidores estão até optando por usar destilados premium a fim de recriar melhor sua experiência dos bares. Portanto, em vez de isso dificultar o setor, acreditamos que as pessoas voltarão aos bares com mais experiência.

Os brasileiros são pessoas felizes que gostam de beber cerveja, cachaça, caipirinha, vinho, coquetéis… Nosso mercado é jovem, forte e tem um enorme potencial. O que você vê para o gin nos próximos anos no Brasil e no mundo?
Vocês têm obviamente ótimas opções de bebidas no Brasil! Gin é uma nova adição à sua gama de escolhas e está provando que é um “novato” muito bem-vindo. Ainda há grande potencial para o gin no mercado – especialmente para gins de qualidade.

O brasileiro é louco por cerveja. Você também gosta? Alguma preferência?
Eu também! Eu sempre gostei de cerveja e não vai surpreendê-lo saber que as tradicionais Ales inglesas são as minhas favoritas.

Eu e alguns amigos lançamos recentemente aqui no Brasil o Portal Mesa de Bar, um portal de notícias na internet com foco em todos os tipos de bebidas. Estamos impressionados com o interesse das pessoas em descobrir mais informações e notícias sobre este universo. Você acredita que estamos no caminho certo?
A sede por informação é tão intensa quanto a sede por gin. Boa sorte com seu empreendimento!

Você tem 53 anos de experiência no mercado de gin. Há alguma coisa que você gostaria de fazer que ainda não fez?
Provavelmente! Ainda não terminei…

Para finalizar, deixe uma mensagem para nossos seguidores, amantes de informações e boas bebidas?
Aproveite sua experiência de beber. Não se contente com o segundo melhor. Trate tudo com respeito e divirta-se! Saúde!