Vinícola Carmen celebra 30 anos do redescobrimento da Carménère com a presença de Jean Michel Boursiquot, responsável pela redescoberta, que nos concedeu uma entrevista exclusiva
Em novembro, o mundo do vinho celebra 30 anos da redescoberta da uva carménère. De origem francesa, da região de Bordeaux, a uva carménère nasceu do cruzamento natural entre as uvas cabernet franc e gros cabernet. Entretanto, por volta de 1870, uma praga fatal para as videiras (filoxera) devastou vinhedos inteiros na França e a carménère foi dada como extinta no mundo.
Passados mais de 100 anos, em 1994, o ampelógrafo francês Jean Michel Boursiquot estava caminhando por vinhedos de merlot da Vinícola Carmen, do Grupo Santa Rita Estates, quando se deparou com uma videira diferente. Depois de investigada, constatou que se tratava da carménère. Acredita-se que ela tenha sido trazida por imigrantes franceses e plantada junto com a uva merlot. Foi uma descoberta feita por acidente.
A partir disso, os vinhedos de merlot e carménère foram separados e a carménère simplesmente tornou-se a uva emblemática chilena. Para a história da carménère, a vinícola Carmen teve e continua tendo um papel importante não somente na sua revitalização, mas também em seu reconhecimento.
“A redescoberta da carménère no Chile representa um marco significativo na história do vinho. Durante estes 30 anos, adquirimos um conhecimento profundo desta variedade. Carménère é exigente quanto às condições do local para atingir a qualidade desejada. As novas plantações foram feitas nos locais certos, aprendemos sobre o manejo verde e a época da colheita, que é fundamental para obter boa qualidade. O Vale do Apalta se posicionou como uma das melhores regiões vinícolas do Chile e do mundo para a produção de carménère. Este vale apresenta solos de origem granítica e um clima quente que favorece uma ótima maturação da casta. Com anos de experiência e sendo o nosso país o maior produtor mundial desta variedade, podemos afirmar que estamos criando carménère com caráter e identidade, elementos que se tornaram parte do DNA do vinho chileno”
Ana Maria Cumsile, enóloga chefe da vinícola Carmen
Para marcar os 30 anos da redescoberta da carménère, a vinícola Carmen realizou um evento comemorativo com a presença de Jean Michel Boursiquot. O Portal Mesa de Bar aproveitou para fazer uma entrevista exclusiva com este especialista e figura icônica do segmento dos vinhos. Confira:
O mundo do vinho está comemorando o 30º aniversário da redescoberta da uva carmenère, e foi na vinícola Carmen que isso ocorreu. Você poderia nos contar como aconteceu?
Em novembro de 1994, fui convidado pela Universidade Católica de Santiago para fazer duas apresentações por ocasião do 6º Congresso Latino-Americano de Viticultura e Enologia. Após minhas apresentações, fui visitar os vinhedos da Viña Carmen com uma ex-aluna de Montpellier, Laurence Real, que estava trabalhando lá naquela época, e foi lá que ela me mostrou uma nova plantação de “merlot”. Vi imediatamente que não poderia ser merlot. Olhando mais de perto, consegui ver as flores porque era justamente a época da floração, uma grande chance para mim. De fato, as flores eram especiais com os filamentos plissados, como se amassados, dos estames, e foi esse detalhe que me permitiu identificar a carmenère com certeza porque é a única variedade de uva que tem essa particularidade e eu sabia disso.
Na sua opinião, por que a carmenère se adaptou tão bem ao terroir e ao clima chilenos, a ponto de se tornar a uva emblemática do país?
O Chile é um país onde o clima e os solos são muito favoráveis, como todos sabem, à cabernet sauvignon. A carmenère também é uma variedade de uva de Bordeaux, uma muda de cabernet franc e, portanto, também muito próxima geneticamente da cabernet sauvignon. É por isso que não é surpreendente que a carmenère também se adapte perfeitamente e isso tenha permitido seu desenvolvimento e sucesso.
Após esse ressurgimento, a carménère se espalhou para outras regiões do mundo, até mesmo de volta à França, onde se originou. Não é fantástico?
Na verdade, no momento, a carmenère é cultivada principalmente no Chile. Ela ainda permanece muito pequena na França (cerca de cem hectares). Também encontramos um pouco na Itália, Argentina e nos Estados Unidos. Ela é especialmente cultivada na China, onde também a encontramos, mas seu nome não é muito conhecido lá.
Como você se sente quando olha para trás, para aquele momento inicial de descoberta e, trinta anos depois, vê o que a carmenère se tornou?
Claro, estou muito feliz por ter contribuído para esse sucesso, mas na época eu realmente não percebi que isso teria tais consequências. De qualquer forma, agradeço sinceramente à indústria vinícola chilena por sua confiança e lealdade a mim ao longo de todos esses anos.
De acordo com a enóloga da Viña Carmen, Anita Cumsile, o futuro da carmenère parece promissor, tanto em sua forma pura quanto em blends com outras variedades. Você compartilha dessa visão?
Sim, absolutamente, porque o que torna essa variedade de uva tão interessante é que ela pode ser usada tanto pura quanto como a variedade principal (ou dominante), mas também pode ser muito interessante em blends para trazer complexidade e contribuir para o equilíbrio dos vinhos.
Outro fator importante foi a expertise desenvolvida em torno da produção de vinhos com carmenère, permitindo que ela se tornasse uma das variedades de uva mais bem-sucedidas na viticultura. Você acredita que esse conhecimento pode servir de exemplo para outras variedades menos conhecidas seguirem um caminho semelhante? Se sim, quais seriam suas apostas?
Sim, claro, este é um exemplo muito bom e definitivamente deveríamos usá-lo muito mais. Quanto a outras variedades menos conhecidas que poderiam seguir esse caminho, depende muito dos países, regiões e contexto, então é difícil para mim nomear algumas mais do que outras.
Atualmente, no Chile (e até em outros países), há um movimento para recuperar variedades patrimoniais, principalmente por pequenos produtores. Você acha que uma “nova carmenère” pode surgir?
O sucesso do surgimento de uma variedade patrimonial é baseado na interação de vários fatores que devem ser combinados. Não é simples, mas na França há algumas tentativas nas diferentes regiões vinícolas. A ideia é se destacar da padronização dos vinhos e dos “seis grandes”, oferecer e propor novidades, diversidade, redescobrir as próprias raízes, mas também é uma abordagem com vistas à adaptação às mudanças climáticas, que é um aspecto muito importante, e à evolução dos gostos dos consumidores. Essas abordagens também envolvem a reabilitação e reintrodução dessas variedades “históricas” nas especificações das denominações.
Que mensagem você gostaria de compartilhar com os produtores e entusiastas de carmenère?
Eu realmente gostaria de parabenizar os produtores e também incentivá-los a continuar, 30 anos já é muito, cerca de uma geração, mas na viticultura os passos de tempo são muito longos e a experiência adquirida aos poucos é muito importante para sempre melhorar e progredir. Aos apreciadores eu digo, estejam sempre atentos para descobrir novas garrafas, novos produtores, novas safras, mas, acima de tudo, tenham prazer com esta variedade de uva. Contribuam para torná-la conhecida, deixem seus entes queridos e conhecidos prová-la e descobri-la. Em poucas palavras: criem adeptos!
Mais informações no site: https://www.carmen.com/